Nota del editor: Publicamos este texto en el portugués original y en traducción al inglés. Desplázate hacia abajo para leer en portugués, y haz click en “English” para leer en inglés.
Engulo. O eu te amo. Vem junto: ar com um resto de champanhe e saliva. Ambos, o eu te amo e a saliva, são do meu amante. Engasgo. E tento me desvencilhar da boca na minha boca, viro o rosto para o lado esquerdo, empurro o peito dele com as minhas mãos. Minhas unhas vermelhas sobre pelos grisalhos, a camisa aberta.
– Espera – digo.
É difícil afastar meu corpo; o dele, rente, me pressiona, não é que use da força, nem precisa.
– Quero me virar.
Ele recua o mínimo necessário para que eu possa girar sobre os calcanhares, sorri, sinto uma fisgada no calcâneo, dou as costas. Estamos na varanda do nosso quarto no 13° andar do hotel. Sempre o mesmo quarto, no mesmo hotel, o mesmo homem, há cinco anos. Sou sua amante. Imprensada entre o seu peito e o parapeito, vejo a cidade lá embaixo. Presa como num sonho ruim no qual sei que sonho, mas não consigo acordar, calculo: cada andar tem em média três metros; três vezes treze, trinta e nove. Ouço um sussurro – “respira!” – e o som vem da minha própria boca.
– Precisamos conversar – digo.
Sinto uma mão espalmada nas minhas costas, a outra, na nuca, o membro – ereto – entre as minhas nádegas. O tronco contra o meu, que se inclina cada vez mais para fora do parapeito à altura do meu umbigo. Treze andares vezes cinco anos, sexo no carro, em banheiros, no hotel, a minha esperança, euforias e decepções. Aos meus ultimatos, seguiram-se res- postas esquivas, promessas não cumpridas, pedidos de trégua, ameaças, e sempre, sempre: o eu te amo. Quero anunciar a minha retirada do campo de batalha, a capitulação. Engulo, calculo.
– Fala.
O bafo quente bem próximo ao meu ouvido.
– É que…
Os dentes no glóbulo da minha orelha, uma mordidinha, o bico do meu seio se crispa.
– Ai…
A mão grande, hábil, sabedora de mim, desliza e se coloca em concha por cima do seio, apalpa.
– Que tal mais um champanhe?
– Por que não? – respondo, preciso respirar. Ele me solta, enfim, vai pedir a bebida. Ouço-o ao telefone, pede a marca mais cara. A camareira chega rapidamente, ele a chama pelo nome escrito no crachá, olhando nos seus olhos, muito obrigado, Suely, pode ficar com o troco. Um homem gentil e charmoso. Observo-o abrir a garrafa. Ele deixa a rolha voar, ri muito, põe a bebida nas duas taças e vem na minha direção, o andar levemente inclinado para frente, os ombros balançando, os passos firmes. Foi assim que o vi pela primeira vez, caminhando em minha direção. Foi na empresa em que eu trabalho como recepcionista. Estávamos à sua espera, eu disse. Ele entrou, demorou-se lá dentro e voltou com seu sempre-sorriso. Passou a aparecer e a sorrir com frequência. Falava baixo, se olhava para o meu corpo, fazia-o com discrição, mas de forma a eu notar que o fazia discretamente. Então, o seu cartão de visitas com um número privado de celular escrito atrás, na minha mão. Retribuí com o meu. Uma chamada e um convite para jantar. Deduzi que vivia sozinho. Era bonito, bem- -sucedido, educado, por que não? Já vão cinco anos.
Enganei-me, porém, era casado. Apesar disso, a noite foi agradável.
– Então, você quer conversar – ele deixa as taças sobre a mesa.
– Quero.
– Eu te amo – e aperta o corpo contra o meu. Pensei ser uma questão de tempo, de paciência. Não que não me trate bem, pelo contrário. Mas chega uma hora.
– Não posso mais.
O homem segura a minha cabeça contra o seu peito, abafa minha fala.
– Não diga isso – sussurra. Ele nunca eleva a voz.
– Fica quietinha.
– Eu te amo.
Nunca age precipitadamente. Talvez não tenha noção da própria força.
– Eu te amo.
Do próprio peso quando deita o corpo inteiro sobre o meu corpo.
– Vai ficar tudo bem.
– Não posso mais esperar.
– Mas por que não?
A voz agora, ainda mais baixa, enternecida, quase como um último aceno sobre o parapeito, como são bonitas as luzes da cidade lá embaixo, murmura.
– Eu te amo.
O quadril se encaixa entre as minhas pernas, sinto a barra do corrimão contra minhas costas, um material frio, provavelmente aço ou ferro. Os braços peludos e musculosos, os braços sábios, apoiados firmes dos dois lados do meu corpo, na minha cintura, quase me erguem.
– Você está me…
Ele pede desculpas, foram desculpas?, mas continua me empurrando, eu disse “empurrando?”.
Quando a mulher dele me ligou, pedindo um encontro, achei que algo ia entrar em movimento, me preparei para tudo. Menos para aquela elegância. Ela não devia estar muito bem, mas não deixou transparecer. Convidou para um drink num bom restaurante, as unhas também vermelhas, porém num tom um pouco mais suave do que as minhas. A desenvoltura com os nomes dos coquetéis no cardápio, a cabeça levemente inclinada para o garçom, o sorriso. Não me ofendeu, não exigiu nem ofereceu nada, e foi justamente aquela superioridade o que mais me humilhou. Ficou claro que nunca poderei tomar o seu lugar.
Meu corpo agora pende mais da metade para fora. Puxo o ar com a boca escancarada, engasgo, sinto a mão se enfiando pela minha saia e vejo uma perna já a meio caminho do ar. É minha, essa perna?
Não tenho mais interesse por sexo, ela me disse, bebericando seu drink. Não por sexo com homens. O olhar pousado em mim, emancipado, suave.
Então, era isso, o sexo.
A outra tenta se enroscar nas do meu amante, mas não as encontra. Um pé esbarra na barra de metal, o sapato escarpin de couro vermelho – presente dele – escorrega e voa num arco, mas não ouço o ruído do baque porque também voo. Assim como não ouço a voz, mas sei que ele repete, vai repetir para sempre, Eu te amo, leio os seus lábios que se afastam dos meus, a última coisa que vejo: esses lábios entreabertos formando as três palavras.
Sempre achei que iria pensar em minha filha na hora da minha morte. Que ia me preocupar por deixá-la sozinha, entristecer-me por ela. Mas não. Penso é num professor de Física do ginásio, eu tinha a idade que ela tem hoje. Achava que era apaixonada por ele, por seus cabelos enrolados, sua voz suave. Gosto de homens que falam baixo. Transamos num hotel no centro da cidade, muito parecido com esse, aliás, foi a minha primeira vez. Galileu Galilei provou que dois corpos abandona- dos da mesma altura chegam ao solo ao mesmo instante, ouço a voz do professor sussurrando ao meu ouvido. O tempo de queda é igual, a despeito das diferentes massas, todos os corpos sofrem aceleração da gravidade.
Então chegarei lá embaixo junto com o meu sapato, calculo.
Meu amante é praticante de paraquedismo. Uma vez, ele me disse: é difícil transmitir o que se sente no momento da queda. A cabeça vai a mil, os pensamentos ficam confusos, você sente um medo profundo e imensa satisfação.
Realmente, é muito bom.
Publicado originalmente em Todas Umas (Rio de Janeiro: Confraria dos Ventos, 2022)