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Resumindo: foi a Guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas, ambos filhos da puta.
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Depoimento de um historiador do ministério da propaganda dos taedos: Fiz confusão na hora de contar, contei diferente de como tinha acontecido. Fiz confusão, troquei dois nomes, uma data e um cenário, contei diferente de como tinha acontecido troquei um nome, duas datas e dois cenários, fiz confusão, misturei algumas coisas, troquei um nome por uma data e um cenário por uma frase. Eu prometo que não vou repetir a confusão. Vou presta atenção para, quando contar, dizer exatamente como foi que aconteceu. Quer dizer, prometer mesmo eu prefiro não prometer, chega na hora e me vem uma palavra melhor e eu acabo contanto diferente, eu prometo mesmo é trocar pouca coisa, uns dois nomes sem importância, uma data menor, um cenário pequeno, prometo trocar pouca coisa. Mas é melhor não prometer nem isto Um dos historiadores do nosso ministério da propaganda tem um depoimento muito parecido, as única diferenças são dois nomes, uma data e um cenário.
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A guerra contra os taedos foi bem recebida por nós porque eles eram nossos vizinhos. Atrás do aparente paradoxo, paradoxo porque tem gente que cultiva a vizinhança, chega a convidar para o churrasco, atrás do aparente paradoxo havia uma grande estratégia de guerra. Levantamentos sociológicos sobre a época revelaram que existia a ideia de vizinho ser o ideal de inimigo. A vizinhança, com sua óbvia proximidade, era um alvo com evidente vantagem para a nossa pontaria. O que chegou a ser chamado de ideia preguiçosa. Mas então os levantamentos sociológicos foram substituídos pelos levantamentos bélicos e descobriu-se que a proximidade era boa no quesito pontaria também para o nosso inimigo. O que serviu para mostrar que considerar o vizinho ideal de inimigo não é uma ideia preguiçosa, é outro tipo de ideia.
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Um herói não descansa enquanto ainda houver no peito espaço para uma medalha. Funcionou tão bem que fomos obrigados a fazer uma atualização: Um herói não descansa nem quando no peito não já mais espaço para uma medalha, porque são possíveis medalhas sobrepostas.
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Um fabricante de armas taedo estava produzindo mais do que seu exército necessitava, procurou o nosso exército para tentar empurrar o excedente, fizemos um bom negócio com ele. Compramos o excedente com a condição de que 20% das armas que ele vendia para os taedos tivessem defeito de fabricação. Ele se entusiasmou tanto com a ideia que propôs 25%.
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Governantes de vários países se apresentaram como mediadores na tentativa de acabar a guerra contra os taedos. Um deles, não me lembro se inglês ou francês, mas com forte sotaque alemão ou japonês, conseguiu reunir representantes nossos e dos taedos numa conversação de paz. Mas as discussões sobre a forma de realizar as reuniões adiaram o início das negociações. O debate sobre o formato da mesa durou sete anos. A altura do espaldar das cadeiras, outro tanto. Vários anos para decidir quem ficaria sentado perto da janela. Foi tamanha a demora que, quando a conversação de paz começou, a guerra tinha terminado e se pensou que era hora de começar outra, já que a paz estava próxima porque as negociações haviam sido iniciadas. Não me recordo qual das guerras era aquela. Tivemos nove guerras contra os taedos – o mesmo número de sinfonias de Beethoven. Aboli a informação de que foram nove guerras, eu vou contanto como se fosse uma só. Uma dá trabalho, imagine nove. Beethoven não pensou nisso.
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Uma boa parte da história da guerra foi escrita antes da guerra. Ninguém era louco, nem nós nem os taedos, de começar a guerra sem algumas precauções.
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Faça de conta que isso é um filme, que isto não está acontecendo com você. Este argumento deixou a guerra mais amena para muita gente. Aquela bomba ali na esquina era um filme, o vizinho da esquina com a tevê num volume excessivamente alto. Os parentes e amigos mortos eram atores que saíram de cena e depois da guerra voltariam em outros filmes. Teria dado trabalho depois da guerra, mas aí foi só fazer de conta que não tinha nada com isso.
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Como a guerra começou? Isto perturbou os historiadores desde que a guerra começou. Eram muitas as histórias sobre o capítulo que provocou a declaração de guerra, uníssona, segundo alguns historiadores, uníssona, os dois lados em perfeito dueto: guerra!! (Para evitar novos conflitos, dois pontos de exclamação.) Mas os historiadores adeptos da história oficial resolveram a questão escolhendo um dos muitos episódios que teriam provocado a guerra, e passou a ser ele dogmaticamente a causa da guerra. Às vezes interessava dizer que fomos nós que começamos a guerra, às vezes não. Para quando interessava, adotamos que um general escorregou numa casca de banana e reconheceu entre as gargalhadas um sotaque taedo.
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O nosso primeiro-ministro disse: É da essência da guerra ter mortos, mas estamos fazendo guerra tendo em vista a paz. Entretanto, são também muitos os mortos em tempos de paz, é da essência da paz ter mortos, porque quando estamos em paz sempre temos em vista a guerra. A rainha não gostou e mandou matar o redator de discursos do primeiro-ministro.
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Os aliados são sempre um problema. Eles não entendem que a guerra não é deles. A função dos aliados é fornecer soldados, armas e dinheiro. E no fim da guerra, além de carregar a taça por alguns instantes, ter licença para liberar o saque para seus soldados, por exemplo, durante seis horas, e participar do processo de reconstrução, mas nada acima de 5%. O aliado é apenas um carona. Na guerra contra os taedos nós tivemos aliados que não entendiam o lugar deles. Um aliado chegou ao cúmulo de sugerir que deveria opinar sobre estratégia, alegando conhecimento bélico. E mandou uma lista dos volumes bélicos que havia na biblioteca nacional deles. Aliado é assim mesmo, acha que é importantíssimo, nem imagina que um dia pode virar inimigo. Aliado é um inimigo em potencial. Ficam aqueles problemas mal resolvidos dos tempos de aliança e eis aí bons motivos para começar uma guerra. Os taedos foram nossos aliados em várias guerras, antes e depois das guerras contra os taedos.
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Os taedos inventaram uma joana d’arc e mandaram a menina para o front. No fim da guerra, ela voltou casada. Três filhos.
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As televisões sempre tiveram um apreço muito grande pelas mães porque as imagens das mulheres expondo lágrimas pelos filhos mortos eram boas para separar blocos de reportagens sobre bombardeios, ataques, escaramuças, explosões, fuzilamentos, para baixar a tensão bélica e preparar o telespectador para o intervalo comercial. Mas foi assim apenas durante uma parte da guerra porque adotamos uma engenhosa solução – posteriormente copiada pelos taedos –; solução para evitar os danos que as choradeiras causavam. Danos seríssimos, pois as lágrimas começavam a convencer muita gente de que a guerra deveria acabar para que as mães não sofressem tanto. A solução foi bem simples, as mães também foram enviadas para a guerra. Elas passaram a guerrear, não tinham mais tempo para chorar a morte dos filhos, nem sabiam onde os filhos andavam. Houve até casos de filhos que ficaram em casa quando as mães foram para a guerra, segundo a televisão, reportagem exibida no final do bloco, na véspera do intervalo comercial.
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Nós fazíamos fronteira com os taedos, isto garantia muita emoção durante a guerra. Emoção por conta de uma geografia variada na linha da fronteira. Estávamos separados dos taedos num ponto por um rio, no outro por montanhas e em mais outro por um mar interior, separados dos taedos por fronteiras definidas por estradas, cidades ou cercas de arame farpado, e também por países tão pequenos que era como se não houvesse nada entre nós e os taedos além da linha imaginária da fronteira – sem ofender aqueles países chamando-os de imaginários, não é hora de começar uma guerra por causa ditos. Mas a fronteira mais delicada com os taedos era a do deserto, em algum ponto da areia, não se sabia exatamente onde ficava. O deserto acabou servindo para alguns exercícios. Nós, por exemplo, ficamos muito tempo esperando que os taedos tentassem nos invadir pelo deserto. Esperamos a chegada deles, não chegaram, e por isso sempre que olhamos para o deserto, mesmo depois da guerra, ficamos imaginando que, como os taedos não vieram pelo deserto, talvez venham os tártaros. Estamos esperando os tártaros, e aproveitamos para esperar também os bárbaros, já que eles podem ser uma solução. Duas coisas ocupam o mesmo lugar no espaço de uma espera. Ou três. Estamos também à espera de Godot.
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No nosso calendário cívico, o Dia da Vitória cai uma semana antes do Dia da Vitória do calendário cívico dos taedos.
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Os oficiais tratavam os soldados como inimigos. Isto sempre deu certo.
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Das guerras napoleônicas, a única influência é o galicismo no título.
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Nós não fomos os primeiros a mudar a data de uma revolução. Muitas Histórias já fizeram isto. Mas nós mudamos por uma necessidade compreensível, facilitar a vida as crianças na escola quando abrissem o livro de História. A revolução havia sido em 11. Mas que falta de força histórica tem a expressão Revolução de 11. Ninguém pode negar que Revolução de 44 é mais forte, mais consistente, mais verdadeira. Nossos historiadores haviam testado 22 e 33, mas Revolução de 44 é a exclamação potente sem necessidade de ponto de exclamação, e ficou sendo 44. Esta história não tem taedos no elenco. É citada porque ela puxa uma outra história, esta sim com os taedos no habitual papel secundário. Mudamos a data da padroeira, Nossa Senhora de Tal, por um motivo ainda mais simples do que as necessidades históricas da Revolução de 44. A primeira aparição da Nossa Senhora de Tal havia sido no meio de uma reunião de ministros do governo, quando ela indicou algumas providências para o progresso do país. Uma das providências era acabar com os taedos para abrir novas perspectivas comerciais, tomar os negócios deles. A reunião ministerial com a aparição havia sido no dia 1 de abril, trocamos para 13 de agosto. Mas por que 13 de agosto? Também ideia da santa, oferecida ao presidente quando ele estava no banheiro, segundo a História, fazendo a barba. A santa disse 13 de agosto. Nunca houve qualquer dúvida quando à data porque, mesmo na emocionante situação de estar diante da aparição de Nossa Senhora de Tal, o presidente teve, no banheiro fazendo a barba, presença de espírito, autocontrole e compreensão da História para anotar a data no primeiro pedaço de papel que a mão dele alcançou. Isto está claro em todos os livros de História, menos a origem da caneta. Nossa Senhora de Tal nunca mais apareceu, nem para receber o soldo.
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Uma chuva de granizo caiu somente do nosso lado e fez muitos estragos. Dois generais dos taedos queriam para si o crédito pela destruição. Um dizia que fez a dança da chuva e provocou o granizo. O outro alegava que pediu a chuva de granizo para Deus e foi atendido. Nós não ficamos sabendo como a história entre os generais acabou porque os taedos evitaram que os detalhes transpirassem. Só sei que um dos nossos principais generais usou o exemplo e fez as duas coisas, dança da chuva e pedido a Deus, mas não foi atendido com granizo. Os taedos tiveram, porra, uma semana de sol. Muitos dos taedos que nós matamos estavam bronzeadíssimos.
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Nós demorarmos um pouco para entender. Os taedos começaram a construir pirâmides. Enlouqueceram, pensamos. Ou vão usar as pirâmides para lançar mísseis. Hoje, quando vamos fazer turismo nas pirâmides taedas, entendemos tudo e até temos uma ponta de orgulho. Aquelas magníficas pirâmides taedas foram construídas por nós. Pelos nossos soldados, prisioneiros de guerra dos taedos. Uma ponta de orgulho.
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Convocação de covardes. Era uma boa maneira de aumentar as nossas tropas. Mas para que os covardes se alistassem foi necessária uma campanha para mostrar que a covardia era um caminho muito fácil para o heroísmo. Imobilizado, os únicos movimentos eram o bater de dentes, sujar as calças, chorar de medo e, sem coragem para sair do lugar, enfrentar o inimigo. Foram assim formados os batalhões de covardes, e a cena se repetiu: soldados imóveis de medo permaneceram no posto e acabaram enfrentando heroicamente o inimigo taedo. Há o registro de milhares de casos de heroísmo, mas nunca além do heroísmo moderado.
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Apareceu um sujeito no nosso estado-maior oferecendo a cópia de um documento taedo com toda a tática bélica deles. Pediu muito dinheiro. O estado-maior disse que aquele era um assunto do serviço de espionagem. Este, diante do tamanho do preço, informou ao sujeito que compra de documentos secretos do inimigo era da alçada do ministério de guerra. O ministro foi o mais claro de todos. Disse que o ministério de guerra estava mal de finanças e mandou o sujeito vender a cópia do documento para o presidente ou o primeiro-ministro ou o rei ou a rainha, quem estivesse de plantão naquele dia. A história andou ainda um tanto, mas sem fechar negócio. O sujeito deve ter tocado fogo na cópia do documento. Mas não significa que a história parou aí. Todos tiveram a mesma ideia, estado-maior, serviço de espionagem, ministério da guerra, presidente, primeiro-ministro, rei e rainha, todos tiveram a mesma ideia. Criaram um documento falso e venderam para si mesmos.
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Nós tínhamos um trecho de fronteira ao sul, ou norte, muito desguarnecido, um charco sem interesse de ocupação. A região era muito difícil de proteger, ou não. Os taedos sabiam disto, ou não, e nós tínhamos informações que viria por ali uma invasão, ou não. Era necessário proteger aquela fronteira ao norte, ou sul. Foi durante uma solenidade patriótica no Museu do Exército que alguém teve a ideia. Transportamos para a fronteira desguarnecida uma das mais preciosas joias do museu, o Batalhão de Estafermos, que servia para que as crianças aprendessem sobre a nossa cavalaria de antigamente, ou não. Como o batalhão de madeira na fronteira, os taedos ficaram esperando a invasão. Por que eles não se mexem?, diziam os taedos, deve ser guerra psicológica, diziam os taedos, parecem estátuas, diziam os taedos. Durou alguns anos. Os taedos contam a história com algumas variantes.
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Não sabíamos o que fazer com tantos prisioneiros de guerra, havia mais taedos presos aqui do que livres lá. Acabamos fazendo um negócio bom para os dois lados. Vendemos os prisioneiros para os taedos. Negociação realizadas com a tabela de preços do tempo da escravidão. Era tão alto o número de prisioneiros taedos que nem cogitamos a hipótese de receber o pagamento e não entregar a mercadoria.
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A guerra começou a ficar enfadonha. Era necessário criar novos interesses. Mudamos o design do painel dos tanques, traços mais ousados. Novas cores para as ogivas nucleares (verde-piscina, areia, ocre). Metralhadora modelo do ano. Bombas com efeitos pirotécnicos acompanhados por orquestra pré-gravadas. Aviões descarregando bombas coloridas que permitiam melhor visualização através da tevê. Lança-chamas em bisnaga de lança-perfume. Granadas temáticas: as quatro estações, os cinco sentidos, os quatro elementos (chegou-se a cogitar um quinto elemento, a moeda, mas nesta época as granadas temáticas já estavam saindo de moda, não valia a pena). O projeto de recuperar o interesse na guerra deu certo porque os taedos entenderam a gravidade da situação e adotaram a ideia.
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Todo mundo lembra que as conversações de paz esbarraram, primeiro, no formato da mesa de discussões. Depois na questão de quem ficaria perto da janela. E também não houve entendimento sobre o horário do coffee break. As conversações foram realizadas numa mesa redonda dentro de uma sala sem janelas e com a ausência do serviço de copa. O que era para ser arrastado, arrastou-se. Mas não o suficiente. Repentinamente percebeu-se que as conversações de paz estavam caminhando em uma direção perigosa, os representantes dos dois lados não entenderam o espírito de uma conversação de paz. Antes que acontecesse o pior, nós e os taedos nos juntamos, era preciso acabar com aquilo antes que eles acabassem com isto. Os taedos entraram com o canhão e nós com a bala. O endereço das conversações de paz deixou de existir. A reunião durante a qual aquele local foi transformado em alvo passou para a História como Portão do Além.
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Os taedos eram muito atrasados, só conheceram a escrita no novíssimo testamento. Assim mesmo por acaso, graças aos passageiros de um objeto em forma de pires que pousou numa plantação de banana-da-terra.
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Os taedos tinham o costume de rezar pelos mortos. Todos os dias às seis da tarde eles se reuniam para fazer orações. Para nós era muito simples, bastava localizar o lugar da reunião e jogar uma bomba em cima. Mesmo assim os taedos continuavam rezando todos os dias às seis da tarde, cada bomba era mais um motivo para rezar. Eles chamavam isso de livre-arbítrio.
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Havia abaixo-assinados contra e a favor da guerra. O maior argumento a favor da guerra era a origem divina de todos os estados de beligerância. Os pacifistas gritavam slogans dizendo que era preciso fazer amor em vez de guerra. Como se não fosse possível fazer amor durante a guerra.
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A crise dos mísseis não houve. Uma tentativa bilateral de criar suspense para tirar a indústria da mídia dos dois países de uma crise econômica não funcionou porque as negociações andaram somente até o ponto em que um dos lados deveria assumir o papel de bandido. Nós e os taedos não queríamos o personagem, portanto foi cancelada a crise dos mísseis. A indústria da mídia saiu da crise econômica diversificando as atividades, entrou no ramo da agiotagem.
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Duvido que você tenha algo melhor para fazer. Venha para a guerra. A frase funcionou maravilhosamente bem. Tanto que os taedos copiaram. Sem pedir autorização, aqueles canalhas.
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O nosso sistema previdenciário não contava para a aposentadoria o tempo do soldado em guerra. Se o soldado achasse que aquele período nas trincheiras valia como trabalho, que fosse pedir aposentadoria para os taedos.
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Um dia a guerra encheu o saco. Era hora de acabar. Quem sabe, por que não?, recomeçar mais tarde. Enfim, um dia, pois é, a guerra encheu o saco. Não vendia jornal, ficava fora de telejornais, rádios esqueceram que estávamos nós e os taedos em guerra. Cedeu espaços para os recordes de produção agrícola. Vejam só. Uma guerra que perdia espaço para o recordes de produção agrícola. Pelamordedeus, tinha mesmo que acabar. Entretanto, uma guerra não acaba assim sem mais nem menos. Deve existir algo marcante, diria até algo histórico. O assassinato de um duque, barão, príncipe ou primeiro-ministro, isso sim era um fim de guerra adequado, um fim em que a questão humana estaria acima de tudo. Combinamos com os taedos o seguinte: mataríamos um duque, um barão, um príncipe e um primeiro-ministro e terminaríamos a guerra. As mortes foram providenciadas. Nós entramos com um duque e um primeiro-ministro, os taedos com um barão e um príncipe. Cada um matou os seus para ganhar tempo. Outra lembrança muito forte daquela época eram os recorder da produção agrícola.
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A aviação taeda atacou uma fazenda de criação de galinhas. Confundiu com uma fábrica de armas. Morreram 12.000 galinhas. Os taedos negam. Nós confirmamos. Temos contabilidade. Foram exatamente 12.033 galinhas. O que mais incomodou os taedos foi que passamos a fazer um minuto de silêncio pela memória das galinhas. Um deboche, segundo a História, mas a nossa intenção era sinceramente homenagear as galinhas sacrificadas naquela odiosa carnificina.
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Quem está ganhando a guerra?
– Nós!
– Nós!
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Nossos soldados invadiram o território taedo pelo norte. De bicicleta. Não houve batalha. Os taedos ficaram tão humilhados pelo tamanho do nosso desprezo – atacar de bicicleta – que preferiram gastar o tempo desmentindo a notícia de que nossos soldados, de bicicleta, invadiram o território deles. Então eles resolveram nos humilhar, mas apenas nos plagiaram. Invadiram o nosso território pelo norte. De camelo. Ficamos tão humilhados pelo tamanho do desprezo deles – atacar com camelos – que preferimos gastar o tempo desmentindo a notícia de que os soldados deles, de camelo, invadiram o nosso território.
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Foi determinado por lei que, em razão da necessidade de pressa em tempo de guerra, a palavra guerra poderia ser escrita ou pronunciada com um erre apenas. Pequenas atitudes como esta ajudam a ganhar a guerra, disso o porta-voz do exército. E por que não porra com um erre só?, disse o porta-voz da Gramática.1
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O exército providenciou que todas as famílias dos nossos soldados estivessem na mais absoluta normalidade quando eles voltassem da guerra. Para evitar que virassem filmes produzidos pelos taedos.
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Um dos nossos mais ativos belicistas escreveu um livro defendendo a paz. Chama-se A arte da paz, é claro. Ainda deve estar disponível em alguma biblioteca ou museu do exército. Na capa, uma bandeirola com a palavra bang sai da boca de um canhão. Os lucros com a venda do livro, informava uma frase de letras diminutas acrescida ao colofão, seriam utilizadas na compra de munição para matar taedos. Tem gente que ainda cai no golpe da letra miudinha.
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A convocação chegou por telegrama, carta, telefone, e-mail, fax e pessoalmente. O funcionário que bateu na minha porta tinha um único braço, nenhuma das pernas. Comunicou o que eu já sabia por telegrama, carta, telefone, e-mail e fax: o narrador deste Jornal havia sido convocado para a guerra. O funcionário da comunicação pessoal contou que tinha voltado do front havia 15 dias e estava destacado para serviços burocráticos. Disse com certa dramaticidade que ele era a prova de que existir a possibilidade de se retornar vivo do front. Bem, minha convocação ia acabar acontecendo mais cedo ou mais tarde. Alguém teria a ideia em algum momento, talvez eu próprio. Embarquei para o front imaginando qual seria o meu serviço burocrático na volta. Escrever o Jornal da guerra contra os taedos, mas eu ainda não sabia. Viajei de trem, minha noiva estava na plataforma me dando adeus. Eu não tinha noiva mas uma lei exigia que todo soldado tivesse uma noiva dando adeus na plataforma. A lei determinava que para quem não tivesse noiva o governo providenciasse uma. A minha era bem bonitinha. O bilhete do trem era claro. Destino: Front. Front com a mesma simplicidade de Paris, New York, Roma, Marte. Supus que a passagem era só de ida por economia, a passagem de volta poderia ser um gasto inútil, o folheto de instruções me orientava para providenciar a passagem de volta na volta se for o caso. O folheto me dava outras informações importantes. Objetivo da viagem: matar taedos. Fiquei dúvida quando à exclamação mais apropriada para minha missão: viva! ou porra! Optei patrioticamente por viva! O folheto mostrava também as vantagens da fast-food nas trincheiras, como limpar o rabo sem papel, o que dizer nas cartas para a família (já trazia cartas prontas, bastava colocar o nome do destinatário e do remetente). Na última página do folheto havia
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Capturamos um espião taedo que, enquanto apanhava um pouco, deu o seguinte depoimento: Quando eu era pequeno e me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, eu sempre respondia que queria ser espião, este é o meu único motivo, portanto dá pra parar de bater?
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O general que plagiava discursos de Churchill não deixou um livro de discursos porque Churchill fez isso por ele.
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Um funcionário do nosso serviço secreto esqueceu a pasta no banco traseiro de um táxi. Ele explicou: Em toda guerra um funcionário do serviço secreto esquece a pasta no banco traseiro de um táxi, só não sabe quem não vai ao cinema.
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– Durante a guerra, de que lado você ficou?
– Da indústria bélica. Existe outro lado?
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No período da guerra em que nós éramos uma monarquia, derrubamos o rei porque preferíamos uma rainha, como os ingleses, naquela época os ingleses tinham rainha. O rei que assumiu o trono também tinha preferências, preferia a república, e começou o período da guerra em que nós éramos uma república. Mas os monarquistas não estavam mortos, com a ajuda dos taedos eles derrubaram o presidente e restabeleceram a monarquia, agora com rei e rainha. A rainha deu um golpe, derrubou o rei e proclamou a república. Etc. Esta nota é necessária para que ninguém pense que, ao aparecer neste Jornal as palavras rainha, rei e presidente, o historiador esteja fazendo confusão, a confusão não é do historiador, é da História.