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Reencantando o mundo com a literatura indígena
A história oficial e a literatura brasileira têm produzido e reproduzido o silêncio e a estereotipização dos povos originários. São tantas as tentativas de calar as nossas vozes que falar em literatura indígena, em pleno século XXI, chega a causar comichão nos ouvidos de muitos teóricos, que impavidamente cultuam os cânones da literatura no Brasil.
Nossas memórias nos conectam com os nossos antepassados, e possibilitam que as nossas expressões em convergência com os sinais da ancestralidade, e assim interagimos com a sociedade do entorno, muitas vezes ressignificando e atualizando conhecimentos e práticas nas nossas comunidades, mantendo a fronteira dos nossos pertencimentos, os quais estão atrelados a outros tempos; ao tempo imemorial, ao tempo das nossas cosmologias.
A literatura que produzimos tem suas especificidades. Quem escreve a literatura indígena já se encontrou com sua ancestralidade originária e consegue “fazer o papel falar”, como dizia o pai da líder Valdelice Veron, indígena pertencente ao povo Guarani Kaiowá. É uma escrita espiritualmente posicionada e está vinculada aos saberes dos nossos antepassados.
Acredito que a literatura que os escritores indígenas produzem colabora de forma significativa para dimensionarmos a vida no planeta, para depurarmos os rastros de escombros deixados pela racionalidade humana —que põe em risco a continuidade da vida no planeta—. Usamos as mesmas ferramentas: canetas, papéis, computadores e a escrita na língua portuguesa (além da escrita nas línguas originárias), realizando um movimento em favor do reencantamento das relações socioambientais, em favor da superação da crise que assola a comunidade mundial.
É importante ressaltar que durante séculos a escrita e a língua portuguesa foram impostas aos nossos povos de forma violenta, sem considerar nossos conhecimentos, línguas e espiritualidades próprias. Missionários e currículos escolares invadiram nossos espaços com os discursos de salvar almas e civilizar, e o resultado foi o desaprendizado, a expropriação, a extinção de línguas e saberes.
A produção da literatura indígena é um desafio para nós, indígenas. Tanto por ser uma forma de escrita questionada por muitos acadêmicos atualmente, quanto pelo fato de termos que transformar conhecimentos advindos da oralidade, historicamente desprezados e endemonizados, em textos escritos.
Mais do que apenas escrever, projetamos que nossa literatura colabore no repensar do antropocentrismo, das ações da racionalidade humana e da ideia de progresso levada a cabo pela comunidade mundial. O projeto humano de desenvolvimento gerou uma situação em que as pessoas e grupos sociais caminhassem para uma situação de absoluto desencantamento e crise, agravada ainda mais pela ambição, pelas vaidades e pela busca do poder a qualquer preço. Diga-se que esse comportamento civilizatório vem desumanizando os nossos povos, rotulando-nos historicamente de seres sem alma, infiéis, preguiçosos, mentirosos, bárbaros e inimigos do progresso.
Desde que os invasores pisaram nesse território sagrado, que para nós são os “jardins sagrados herdados por nossos antepassados”, como diz o líder Ailton Krenak, resistir para existir é o que tem movido gerações, uma após a outra, e na nossa geração não é diferente.
A escritora indígena Eliane Potiguara, nos ensina que devemos “florescer em meio ao lixo”. Ensinamentos como este, é o que não nos deixa paralisar ou sucumbir. E pensando na trajetória de crises da humanidade, florescer no meio do lixo é um dos fundamentos da literatura indígena nos dias de hoje.
No ato de escrever, estamos atentos a certas armadilhas, como as deixadas por um certo romantismo literário brasileiro, que romantiza nossas memórias históricas e transforma a nossa gente em sujeitos passivos diante da violência colonizadora. A nós não interessa romantizar nossas histórias e memórias, mas sim, expressar nossas angústias, dores, demandas, avanços, conquistas e alegrias. Mais uma vez evocamos a escrita de Eliane Potiguara, que bem expressa a escrita literária a que nos reportamos:
Ó mulher, vem cá
que fizeram do teu falar?
Ó mulher conta aí…
Conta aí da tua trouxa
Fala das barras sujas
dos teus calos na mão
O que te faz viver, mulher?
Bota aí o teu armamento.
Diz aí o que te faz calar…
Ah! Mulher enganada
Quem diria que tu sabias falar!
Estamos aqui, afirmando que somos a continuidade de Iracema, a guerreira Tabajara que o romantismo de José de Alencar domesticou e colocou a serviço da dominação, matando-a de paixão pelo colonizador ao fim de sua rebuscada narrativa, marcada fortemente pela apologia aos ideais colonizadores.
Em nome de Moema, a índia morta, que nunca morrerá; de Iracema e de tantas outras guerreiras e guerreiros que tombaram, cumpriremos a tarefa que nos foi conferida pelo mundo invisível. É essa força que nos energiza para seguirmos a caminhada regando a terra, ainda que nossos vastos territórios tenham sido expropriados para construir uma nação sobre os nossos cemitérios.
Mesmo com tantas histórias de atrocidades, a literatura que escrevemos é um evidente sinal de que temos disposição para dialogar, colaborando na reconstrução de tudo o que foi destruído em nome do progresso. Produzimos uma literatura que pode auxiliar os leitores a conhecer e sentir a leveza de uma memória ancestral, comprometida com a vida em todas as suas dimensões —seres humanos, rios, montanhas, vegetais, animais e os espíritos da floresta—. Nossa literatura se manifesta prioritariamente pela oralidade, e se desdobra de diversas formas como danças, grafismos, cantorias, denúncias, lamentos, alegrias, angústias, afetos e escritas, entre outras manifestações.
Portanto, a literatura indígena é uma voz de continuidade à luta dos nossos antepassados, mostrando ao mundo que outras formas e modos de organização social são possíveis, que é possível e necessário viver bem com menos.
Ainda que nos rotulem de “falsos índios”, por ressignificamos a escola, a universidade, a literatura e tantas outras instituições, seguiremos firmes, certos de que romperemos com as barreiras postas pela colonialidade e pelo racismo estrutural e institucional que quer se perpetuar, e caminharemos no rumo de nossas microrrevoluções, inclusive na literatura.
Vale atestar que um grande avanço para a visibilidade e audibilidade dos nossos povos foi a Lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade do estudo/ ensino da cultura e história afrobrasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino. Neste contexto, a literatura indígena é um dos principais instrumentos para a implementação da referida lei.
É oportuno destacar o artigo 231 da constituição federal de 1988, que estabelece os direitos originários:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
A constituição tornou-se um importante instrumento para nós, à medida que reconheceu a nossa existência e dos nossos direitos. Por um breve momento nos enchemos de esperanças, imaginando que as coisas poderiam ser diferentes de um passado de pagamentos e opressão, porém, desde a data da sua promulgação o que temos visto são relampejos de aplicabilidade, em que as formalidades e burocracias dificultam os avanços dos nossos direitos dentro e fora das aldeias.
O desafio colocado para a nossa literatura é fazer com que nossas memórias históricas e saberes alcancem a sociedade brasileira, e que mesmo feridos pelo racismo estrutural, possamos realizar diálogos e interações que possam auxiliar na construção da igualdade social que deverá observar e respeitar a diversidade sociolinguística dos nossos povos.
O momento em que vivemos é de falar. Antes tínhamos que ser discretos e fazer silêncio para vivermos, hoje podemos, não queremos e nem temos mais condições ancestrais de continuar sem expor os nossos projetos societários, pois a alma grita e ecoa. A literatura indígena tem sido a caixa de ressonância nesse rumo, e o que escrevemos é o espelho das nossas memórias coletivas.
A nossa luta prioritária não é para que sejamos incluídos ou integrados nas academias de letras. Primeiramente, essas palavras “inclusão” e “integração” causam o que os odontologistas chamam de bruxismo, ranger dos dentes. Nós indígenas, jamais seremos integrados, pois se nos integrarmos à sociedade nacional, nos desintegraremos da nossa sociedade originária e vice-versa. O que propomos é a interação, pois, quando interagimos conseguimos compartilhar o que é nosso e absorver o que é do outro sem deixar de lado os nossos pertencimentos originários.
Frequentemente desanimamos diante de tantos desafios e portas que se fecham, mas quando olhamos ao nosso entorno, pessoas entendendo a importância de cuidar de nossa majestosa Mãe Terra, e se propondo a romper com o passado de opressão, expropriação, exploração e devastação, somos nutridos e motivadas a continuar a jornada.
Outro exemplo que nos inspira vem das anciãs, dos curandeiros, das parteiras, das benzedeiras e das lideranças. São pessoas que como as crianças, conversam com os espíritos, falam com os animais e com as plantas. Muitos acham que as plantas não falam, que bobos, afinal de contas, como nossas curandeiras iriam saber os mistérios da cura se não conversassem com as nossas irmãs plantas?
A literatura indígena é isso, nós ouvimos os mais velhos, os sábios, observamos a dinâmica da floresta, o curso dos rios e dos animais. Aprendemos que não precisamos nos tornar o que não somos para que possamos interagir com as outras literaturas e com a sociedade nacional.
Os mais velhos contam nas aldeias que por séculos, os nossos antepassados tiveram que negar os seu pertencimento, línguas, tradições e espiritualidades, tudo em nome do que o Estado chama de “integração”. A consequência disso foi o extermínio de povos e aldeias inteiras, muitas das quais ressurgindo com força total nos dias de hoje, fazendo o “caminho de volta”.
Eu mesma (Aline Kayapó), que não sou mais uma “crionça” e também não sou uma anciã, já tive várias experiências com essa interação. Certa vez, estava pedindo para que o grande Condor me trouxesse um nome para que nós, um grupo de indígenas-mulheres, pudéssemos nomear o nosso movimento- uma rede ancestral-filosófica que criamos. Foi então que no mesmo momento uma grande ventania abriu a porta da cozinha de casa e falou comigo. Ela disse:
—Ngrenh, você me chamou e eu estou aqui, me chamo ventania, você pode me chamar de Wayra.
Hoje esse é o nome do nosso movimento de indígenas-mulheres: Wayra, que significa ventania, na língua Aymara- povo do qual sou descendente.
Outra vez, uma planta falou comigo, era uma árvore de cuieira. Nesse tempo eu queria muito engravidar e disse para ela:
—Um dia vou dar frutos igual a senhora e minha barriga vai ser bem redonda parecida com suas cuias.
Respondeu a Cuieira:
—Fale com sua avó Dalmira, ela vai te dizer o que conversamos tempos atrás e você saberá o remédio para se curar.
Então fechei os olhos e a Wayra trouxe até mim uma mensagem, que uso como rezo e benzimento. Nomeei o rezo com o nome de Cuieira, que diz assim:
Cuieira
Nossa mãe
Poder gerador da vida
Útero divino
Minha mãe
Majestosa Mãe Terra
Que nos ensina sobre aparências…
Muitas vezes enganosas
De fel, vira mel
Curandeira sagrada
O que não tem serventia, faz ter
Do enfeite traz a cura
Do miolo traz o sumo
E o sumo que é fel
Sem água
vira mel
Mel que cura.
Miolo misterioso
O fogo transforma
De branco amargoso
Em preto saboroso.
Manchas não pode ter
A cura não tem máculas
Três Luas é o tempo
Que precisa
O útero da filha
Para a mãe curar…
Louvado seja, Metindjwynh!
Mejkumrex minha Mãe Terra!
A literatura indígena é formada por mensagens cosmológicas e está viva. Não é um prato que se come frio, nem se esfriou com o tempo. Ela é o ontem, o agora e o amanhã.
A literatura indígena é quentinha e se renova todas as manhãs como o sol, e tem aquecido as nossas almas, corpos e espíritos. Ela é a wayra, que traz em sua rede nossas irmãs pássaras reencantando as manhãs. A literatura indígena não é um papel pardo, criado pelo estado, escondido na gaveta e ofuscado pelo tempo, nem um papel branco que se apropriou das memórias de outros povos, ela é a alegria da existência de povos que cantam a vitória da existência, tornando mais colorida e encantadas a vida de quem quiser!
Reencantar el mundo con la literatura indígena
La historia oficial y la literatura brasileña han producido y reproducido silencios y estereotipos de los pueblos indígenas. Son tantos los intentos de acallar nuestras voces que hablar de literatura indígena, en pleno siglo XXI, llega a causar una comezón en los oídos de muchos teóricos, que impasiblemente idolatran los cánones de la literatura en Brasil.
Nuestras memorias nos conectan con nuestros antepasados y permiten que nuestras expresiones se unan con nuestras marcas de identidad. De este modo interactuamos con la sociedad de nuestro entorno, muchas veces resignificando y actualizando conocimientos y prácticas de nuestras comunidades, manteniendo las fronteras de aquello que nos pertenece y que está unido a otros tiempos, el tiempo inmemorial, el tiempo de nuestras cosmologías.
La literatura que producimos tiene sus particularidades. Quien escribe literatura indígena ya se ha encontrado con su ancestralidad originaria y puede “hacer hablar al papel”, como decía el padre de Valdelice Veron, indígena del pueblo Guaraní Kaiowá. Esta es una escritura espiritualmente posicionada y está vinculada a los saberes de nuestros antepasados.
Consideramos que la literatura producida por escritores indígena contribuye de forma significativa para posicionar nuestra vida en el mundo, para limpiarnos de las ruinas dejadas por la racionalidad humana —que pone en riesgo la continuidad de la vida en el planeta—. Usamos las mismas herramientas: lapiceros, papeles, computadoras y la escritura en lengua portuguesa (además de escribir en lenguas originarias), realizando un esfuerzo para conseguir el reencantamiento de las relaciones socio-ambientales, para superar la crisis que asola la comunidad mundial.
Es importante resaltar que durante siglos la escritura y la lengua portuguesa fueron impuestas a nuestros pueblos de manera violenta, sin tener en cuenta nuestros propios saberes, lenguas y espiritualidades. Misionarios y currículos escolares invadieron nuestros espacios con los discursos de salvar almas y civilizar. El resultado fue el desaprendizaje, la expropiación, la extinción de nuestras lenguas y conocimientos.
Para nosotros, los indígenas, la producción literaria es un desafío. Esto se debe a que nuestra forma de escribir es cuestionada por muchos académicos actualmente y también por el hecho de transformar conocimientos propios de la oralidad, históricamente despreciados y demonizados en textos escritos.
Pero más que solo escribir, nosotros planeamos que nuestra literatura colabore a repensar el antropocentrismo, las acciones de la racionalidad humana y la idea del progreso promovida a nivel mundial. El proyecto humano de desarrollo generó una situación donde las personas y grupos sociales avanzan hacia un camino de absoluto desencantamiento y crisis, agravado por la ambición, las vanidades y la búsqueda de poder a cualquier precio. Es importante revelar que esa conducta civilizatoria viene deshumanizando a nuestros pueblos, clasificándonos, históricamente, como seres sin alma, idólatras, perezosos, mentirosos, primitivos y enemigos del progreso.
Los invasores llegaron a nuestras tierras ancestrales, que para nosotros son los “jardines sagrados que heredamos de nuestros antepasados”, como dice el líder Ailton Krenak. Desde aquella invasión, resistir para existir ha sido un motivo que ha inspirado a muchas generaciones, una tras de otra. Nuestra actual generación no es indiferente a esa lucha.
La escritora indígena Eliane Potiguara nos enseña que debemos “florecer en medio de las ruinas”. Enseñanzas como esta es lo que nos impide ser derrotados o quedar paralizados. Y pensando en el trayecto de las crisis de la humanidad, florecer en medio de las ruinas es uno de los pilares de la literatura indígena hoy en día.
Mientras escribimos estamos atentos a ciertas trampas, como las que dejó el romanticismo literario brasileño, que tergiversaron nuestras memorias históricas y transformaron a nuestros pueblos en sujetos pasivos ante la violencia de la colonización. Nosotros no queremos romantizar nuestras historias y memorias, sino que buscamos expresar nuestras angustias, dolores, denuncias, avances, conquistas y alegrías. Una vez más recordamos aquí la obra de Eliane Potiguara, que bien expresa el tipo de literatura al que nos referimos:
Ven acá, mujer,
¿Qué hicieron de tu voz?
Dime, mujer
Cuéntame ahora de tus desengaños
Habla de las rejas sucias
De tus callos en la mano
¿Qué te hace vivir, mujer?
Deja caer tu armadura
Dime lo que te hace callar
Ah! Mujer engañada,
Quien diría que sabías hablar.
Estamos aquí, afirmando que somos la continuidad de Iracema, la guerrera Tabajara, que el romántico José de Alencar domesticó y puso al servicio de la dominación. Al final de su narración grandilocuente, Alencar hace que ella muera de amor por el invasor, notoriamente influenciado por una apología a la racionalidad colonizadora.
En nombre de Moena, la indígena muerta que nunca morirá; de Iracema y de tantas otras guerreras y guerreros asesinados, cumpliremos la tarea que nos fue delegada por el mundo invisible. Esa es la fuerza que nos motiva a seguir el camino, fertilizando la tierra, aunque nuestros territorios hayan sido expropiados para construir una nación sobre nuestros cementerios.
A pesar de tantas historias de atrocidades, la literatura que escribimos es una señal evidente de que estamos dispuestos a dialogar, colaborando en la reconstrucción de todo aquello que fue destruido en nombre del progreso. Producimos una literatura que puede ayudar a los lectores a conocer y sentir la delicadeza de una memoria ancestral, comprometida con la vida en todas sus dimensiones —seres humanos, ríos, montañas, vegetales, animales, y los espíritus de la selva—. Nuestra literatura se manifiesta, principalmente, mediante la oralidad y se extiende a través de diversas expresiones como danzas, grafismos, cantos, denuncias, lamentos, alegrías, angustias, afectos y escrituras, entre otras formas.
Por lo tanto, la literatura indígena es una voz de continuidad de la lucha de nuestros antepasados, mostrando al mundo que otras formas y modos de organización social son posibles, que es posible y necesario vivir bien con menos.
Nos llaman “falsos indios” por haber resignificado la escuela, la universidad, el sistema literario, y tantas otras instituciones. A pesar de esto, seguiremos firmes, seguros de que romperemos los obstáculos puestos por la colonialidad y el racismo estructural, institucional, que quiere perpetuarse. Caminaremos en la ruta de nuestras micro-revoluciones, incluso en la literatura.
Es necesario precisar que un importante avance para visibilizar y escuchar a nuestros pueblos fue la Ley 11.645/08. Esta Ley establece que es obligatorio estudiar y enseñar la historia y la cultura de los pueblos indígenas y afro-brasileños en los centros de educación. En este contexto, la literatura indígena es uno de los principales instrumentos para implementar dicho reglamento.
También es oportuno destacar el artículo 231 de la constitución federal de 1988, que establece los derechos ancestrales:
Art. 231. Se reconoce a los indios su organización social, costumbres, lenguas, creencias y tradiciones, y los derechos originarios sobre las tierras que tradicionalmente habitan, siendo obligación de la Unión [el Estado brasileño] demarcarlas, proteger y respetar todos sus bienes.
Esta constitución se convirtió en un instrumento importante para nosotros, ya que reconoció nuestra existencia y nuestros derechos. Por un momento breve nos llenamos de esperanzas, imaginando que las cosas podrían ser diferentes a un pasado de silenciamientos y opresión. Sin embargo, desde la fecha de su promulgación, sólo hemos visto pequeños rastros de legalidad, pues las formalidades y actos burocráticos imposibilitan los avances de nuestros derechos dentro y fuera de las aldeas.
El desafío que asume nuestra literatura es lograr que nuestras memorias y saberes lleguen a la sociedad. Aunque hemos sido heridos por violencias raciales, queremos producir diálogos e interacciones que puedan contribuir a la construcción de una justicia social que incluya y respete la diversidad socio-lingüística de nuestros pueblos.
El momento en que vivimos es de hablar. Antes teníamos que ser discretos y estar callados para vivir. Hoy en día, para proseguir con nuestra ancestralidad tenemos que exponer nuestros proyectos de sociedad, pues el alma grita y resuena. La literatura indígena ha sido la caja de resonancia en este camino, y lo que escribimos es el espejo de nuestras memorias colectivas.
Nuestra lucha no es para ser incluidos o integrados en las academias de las letras. En primer lugar, esas palabras, “inclusión”, “integración”, producen lo que los odontólogos llaman bruxismo, rechinar los dientes. Nosotros, los indígenas, jamás seremos integrados, pues si nos integramos a la sociedad nacional, nos separaremos de nuestra cultura originaria y viceversa. Lo que proponemos es una interacción, pues cuando interactuamos logramos compartir aquello que es nuestro y absorbemos lo que es del otro sin olvidar que pertenecemos a nuestros pueblos.
Frecuentemente nos desanimamos ante tantos desafíos y puertas que se cierran. Sin embargo, nos llenamos de energía y continuamos la jornada cada vez que escuchamos a nuestro alrededor, cuando escuchamos a las personas que entienden la importancia de cuidar nuestra majestuosa Madre Tierra, con el firme propósito de quebrar la historia de opresión, desposesión, explotación y devastación.
Otro ejemplo que nos inspira viene de las ancianas, los curanderos, las parteras, las que bendicen, las y los líderes. Son personas que —como los niños— conversan con los espíritus, hablan con los animales y con las plantas. Muchos creen que las plantas no hablan, pero que tontos son: finalmente, ¿cómo nuestras curanderas podrían saber los misterios sobre curar si no hablasen con nuestras plantas hermanas?
La literatura indígena es eso: nosotros escuchamos a los más viejos, a los sabios, observamos el movimiento de la selva, el vaivén de los ríos y los animales. Aprendemos que no necesitamos ser aquello que no somos para poder interactuar con otras literaturas y con la sociedad nacional.
En las aldeas, los más viejos cuentan que durante siglos nuestros antepasados tuvieron que negar sus orígenes, lenguas, tradiciones y espiritualidades, todo en nombre de lo que el Estado llama “integración”. Como consecuencia, pueblos y aldeas enteras fueron exterminadas, muchas de las cuales están resurgiendo con gran fuerza en estos días, realizando “el camino de retorno”.
Quien escribe (Aline Kayapó), quien no es más una “niña” y tampoco una anciana, ya tuvo muchas experiencias con ese tipo de interacción. Una vez, estaba pidiendo al gran Cóndor que me diese un nombre para bautizar a nuestro movimiento – una red filosófica-ancestral que creamos con un grupo de mujeres indígenas. Entonces, en ese mismo momento, una borrasca abrió la puerta de la cocina y habló conmigo. La borrasca dijo:
—Ngrenh, usted me llamó y yo estoy aquí. Me llamo borrasca y me puedes llamar Wayra.
Hoy ese es el nombre de nuestro movimiento de mujeres indígenas: Wayra, que significa borrasca o viento fuerte en lengua Aymara, pueblo del cual soy descendiente.
En otra ocasión, una planta habló conmigo. Era un árbol de Cuieira. En ese tiempo, yo quería mucho estar embarazada y dije para la planta:
—Un día voy a dar frutos igual a usted y mi barriga va a ser bien redonda, semejante a sus cuias.
La cuieira respondió:
—Hable con su abuela Dalmira, ella te va a decir lo que conversamos tiempo atrás y tú sabrás el remedio para curar.
Entonces cerré los ojos y Wayra trajo un mensaje para mí, que utilizo como un rezo y bendición. Nombre la oración con el nombre de Cuieira, que dice así:
Cuieira
Madre nuestra
Poder que crea la vida
Útero divino
Madre mía
Poderosa Madre Tierra
Que nos enseñas sobre las apariencias…
Tantas veces engañosas:
De la hiel crece la miel
Sagrada curandera
Lo que no sirve se hace útil
Del adorno traes la cura
Del sustento traes el jugo
Y el zumo, que es amargo,
Sin agua
vuélvese miel
Miel que cura.
Alimento misterioso
El fuego te transforma
De blanco agrio
En oscuro delicioso.
No puede tener manchas
La cura no tiene máculas.
El útero de la hija
Necesita
Un tiempo de tres lunas
Para la madre curar
¡Alabado sea, Metindjwynh!
¡Mejkumrex, mi Madre Tierra!
La literatura indígena está formada por mensajes cosmológicos y está viva. No es un plato que se come frío, tampoco se enfrió con el tiempo. La literatura indígena es ayer, es ahora y es futuro.
La literatura indígena es calientita, se renueva todas las mañanas como el sol y da fervor a nuestras almas, cuerpos y espíritus. Ella es wayra, y en su red trae a nuestras hermanas pájaras para reencantar nuevos días. La literatura indígena no es un papel pardo, creado por el estado, escondido en el escritorio y marchito por el tiempo, tampoco es un papel blanco que se apropió de la memoria de otras culturas. La literatura indígena es el júbilo de existir, el júbilo de los pueblos que cantan el triunfo de la vida, volviendo más colorida y mágica la existencia de quien así lo quiera.
Traducción de Christian Elguera