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Makunaima e os deuses manos
Quando Makunaima criou a Raposa Serra do Sol, ele convocou de sua criação gente que faria a diferença no mundo. Então ele criou os macuxês.
No Grande Conselho, como Makunaima, outros deuses sentiram essa necessidade e também criaram o seus filhos. Assim nasceram os guajajara, os munduruku, os baniwa, os kadiwéu, os tabajara, os omágua/kambeba, os krenak, os tukano, os guarani, os mura, os kaingang, os xokleng, os wapichana, os taurepang, os maxakali, os xavante, os kalapalo e muitos outros mais.
Para celebrar a vida, os filhos dos povos originários foram ensinados a cultivar suas tradições conforme seus deuses os haviam ensinado.
Vovô conta que antigamente, no tempo do Piatai Datai, os macuxi entoavam o erenkon, os cantos de Makunaima, Anikê e Insikiran. O que sabemos hoje foi ensinando ainda nos tempos que homens e animais trocavam constantemente de pele. Em volta de uma fogueira, todos os parentes pegavam suas cuias cheias de caxiri e praticavam o pantokon, a arte de contar as histórias sagradas. Essa arte aprendemos e nunca abandonamos, principalmente os caxiri!
E que sempre se reuniam como os sábios, os patá punín, para aprender os cantos de cura, os tarenpokon. Gostamos muito dessa, porque onde tem canto tem dança, e dançando a paixara, aprendemos a mandar para longe os espíritos ruins.
***
Os antepassados da vó contaram para ela que uma profecia já tinha anunciado que os macuxi lutariam contra o povo da mercadoria, tão certo como a maniva alimenta nossa gente.
No tempo de criação, a Mãe-Terra olhou para Makaunaima e os manos brincando na roca e quis criar outro filho, porque gostava de ver o quintal cheio de gente.
Mas, quando ele nasceu, ele não gostou de ser amarelo. Desejou ser branco pra ser diferente dos parentes. Maquinou-maquinou e foi na vaca tomar banho de leite pra ficar branco (…)
Depois do banho de leite, o caçula disse: – Decidi que não sou “nós”. Não vou ser pronome. Eu vou ser verbo! Eu vou ser Deus.
Os manos acharam aquilo tudo estranho, todo mundo ali era um deus com letra minúscula.
Não gostavam muito de estudar gramática não, preferiam estudar literatura e passar o tempo brincando nas cachoeiras criando peixes, gritando, nadando, e troçando um do outro em suas línguas maternas pra ninguém sair chateado do banho.
Cochinaram que o nome do caçula era um substantivo e que ele tinha faltado à aula também.
—Mas é com letra minúscula, disse, emburrado. E eu vou ser verbo, finalizou.
—Tá bom, disseram os manos. E foram brincar.
Quando o caçula viu as árvores, rios e montes, nem achou bonita a paisagem, pensou logo em fazer da árvore uma mesa; do rio, água mineral em garrafinha; e no monte pensou em fazer um parque de diversão, onde iria vender sauva como suvenir.
Gostou tanto da ideia que ofereceu aos seus irmãos. Nem pensou que todas as mercadorias eram a mãe: a mãe são árvores, rios e montes. Tudo que há para além de dentro da terra e para além do céu.
Quando pisamos a terra, sentimos amor; quando escutamos o rio, sentimos paz; quando vemos os montes, sentimos proteção. Sentimos tudo isso porque é sempre a mãe nos acolhendo em seu seio.
Os manos realmente nao gostaram da ideia e tiveram que dizer pra ele:
—Ah não, não queremos essas coisas não! Essas coisas são a mãe. A mãe não se vende. Tem outra coisa?!
***
O caçula revoltou-se contra a mãe, contra Makunaima, contra todo mundo que não comprou a ideia. Os manos sabiam que dinheiro deixava a alma doente.
Sabiam que ele ainda era criança, que ainda não tinha aprendido a respeitar a mãe, cada mano e sua tradição.
Quando de sua perna de barro sai seu primeiro filho e de seu cabelo a primeira mulher que originariam o povo da mercadoria, ele estava muito ressentido.
Então ele mentiu aos filhos dizendo:
que a floresta não tem espírito
que os filhos originários não tinham direito às suas
histórias
ciências
crenças
literaturas
artes
ás suas terras
***
Por causa disso, muitos territórios, que eram antigamente de Makunaima e outros deuses, foram tomados pelos descendentes do deus branco (…)
Embora os territórios indígenas tenham sido tomados à força, não foram esquecidos pelos nossos povos.
Se algo pode ser cultivado neles, é porque foram adubados com sangue indígena.
Sempre lembraremos disso.
Os massacres aos pajés, caciques, chefes, guerreiros, cunhas, curumins, fazem escorrer o sangue dos filhos originários pela Mãe-Terra, mas nunca morremos: dela mais uma vez nascemos
como flor
fruto
pimenta
onça
cobra
ou de novo sob a forma de homem e mulher indígena.
Cartas, diários, ofícios, leis e livros contam essa história.
Estão nas linhas invisíveis,
nas sombras das folhas,
no silêncio dos parágrafos.
Mas eu já sabia, porque a vó me contou, que um dia, cantando e dançando, os filhos de Makunaima e outros deuses tentariam conversar com o homem branco pra dizer que não gostamos dessa lição não, de que não somos nós.
Esperamos muitas décadas, até que finalmente os macuxês e os manos, todos guerreiros, tomaram suas bordunas, papel e caneta e começaram a lutar pelas coisas que realmente importam!
Os xamãs já tinham profetizando que um dia ia surgir a Rádio Yandê.
A literatura indígena brasileira contemporânea de Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé, Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Cristino Wapichana, Graça Graúna, Sulamy Katy, Tiago Hakiy, Yaguarê Yamã e muitos outros mais.
As artes plásticas de Denilson Baniwa, Jaider Esbell, Gustavo Caboco, Daiara Tukano, Yacunã Tuxá e muitos outros mais.
A Livraria Maracá!
Os xamãs e a vó me disseram, e hoje conto para vocês,
para que contem aos seus filhos as história da terra,
para que saibam que somos a terra,
para que saibam que somos filhos e filhas de Makunaima e outros deuses!
Parihara-a-xará pawá-caxiri-pá piá’san-pantokon-si’á!
De Eu sou macuxi e outras histórias (2019)
Makunaima and the Gods who are Siblings
When Makunaima created the Raposa Serra do Sol, he chose, among all his creations, the people who would make a difference in the world. Then, he created the Macuxi.
In the Great Council, like Makunaima, other gods felt the same need and also created their children. Thus were born the Guajajara, the Munduruku, the Baniwa, the Kadiwéu, the Tabajara, the Omagua/Kambéba, the Krenak, the Tukano, the Guaraní, the Mura, the Kaingang, the Xokleng, the Wapichana, the Taurepang, the Maxakali, the Xavante, the Kalapalo, and many others.
To celebrate life, the children of the original peoples were taught to cultivate their traditions according to the teaching of their gods.
My grandmother tells that in ancient times, in the time of Piatti Datai, the Macuxi sang the erenkon, the songs of Makunaima, Anikê, Insikiran. What we know today was taught in the times when men and animals constantly changed their appearance. Near a bonfire, all the relatives took the cuias filled with caxiri juice and practiced the pantonkon, the art of telling sacred stories. We learned this art and never abandoned it, especially the caxiri.
And they always talked to the wise men, the patá punín, to learn the healing songs, the tarenpokon. We love it so much, because where there is singing there is always dance, and by dancing the parixara we learn to send away the evil spirits.
***
Grandmother’s ancestors told her that a prophecy already announced the Macuxi will fight against the people of merchandise, and this was as true as the maniva feeding our people.
At the time of creation, Mother Earth looked at Makunaima and his siblings dancing in the forest and wanted to create another son, because she enjoyed seeing that space full of people.
But when that son was born, he didn’t like being yellow. He wanted to be white to be different from his relatives. Planning and planning, he sought a cow, took a bath in milk, and thus became white (…)
After the milk bath, the newest son said: I decided that I am not “us.” I’m not going to be a pronoun: I’m going to be a verb! I’m going to be God!
The siblings found all of this very strange. Everyone there was a god, in lower-case letters.
They did not like to study grammar, they preferred to study literature and spend time playing in the rivers, raising fish, shouting, swimming, exchanging their own mother tongues with each other so that no one would stop bathing out of confusion or irritation.
They claimed that the youngest-of-the-family’s name was a noun and that he also had skipped classes.
“But it’s in capital letters,” he said, stupefied. “I’m going to be a verb,” he concluded.
“Okay,” his friends said, and they went to have fun.
When the last son saw the trees, rivers, and mountains, he did not even perceive the beauty of the landscape. He immediately thought of making the tree a table; turning the river into mineral water from a little bottle; and in the bush he thought of making an amusement park, where he would sell the sauva or ants as souvenirs.
He enjoyed this idea so much that he shared it with his siblings and did not think that all the merchandise was of their mother: their mother was the trees, rivers, and mountains. Everything beyond heaven and deep in the earth.
When we step on the earth, we feel love; when we hear the river, we feel peace; when we see the mountains, we feel protection. We feel all of this because it is always our mother welcoming us into her bosom.
The siblings, in truth, did not like his idea, and had to tell him:
“Oh, no, no, we don’t want those things. Those things are from our mother. Our mother cannot be sold, fella. Do you have anything else to say?”
***
The youngest son rebelled against their Mother, against Makunaima, against everyone who did not believe in his idea. The siblings knew that money leaves the soul sick.
They knew that he was still a little boy who had not yet learned to respect their mother, every relative, and his tradition.
When his first son was born out of his mud leg and from his hair came the first woman to give rise to the people of merchandise, he was very resentful.
Then he lied to his children, saying:
That the forest has no spirit
That their ancestral siblings had no right to their stories
Sciences
Beliefs
Literatures
Arts
To their lands.
***
Because of this, many territories that were formerly of Makunaima and other gods were stolen by the descendants of the white god (…)
Although indigenous territories have been taken by force, they were not forgotten by our peoples.
If anything can be cultivated in them, it is because they were bathed with indigenous blood.
We will always remember that.
The massacres of pajés, caciques, leaders, warriors, women, children, animate the blood of Mother Earth’s first children. But we never die:
From that massacre we are born once again as
Flower
Blossom
Pepper
Onça
Cobra
Or, again, in the form of indigenous man and woman.
Letters, newspapers, trades, laws, and books tell this story.
They are in the most invisible lines
in the darkest shadows of the leaves
in the most evident silence of the paragraphs.
But I already knew all this, because grandmother told me that one day, singing and dancing, the children of Makunaima and other gods would try to talk to the white man to tell him that we do not like that lesson of history, that we are not this representation.
We waited many decades until finally the Macuxi and their relatives, making war, took up their weapons like the borduna, paper, and pencil and began to fight for the things that really matter.
The shamans had already prophesied that one day Radio Yande would emerge,
The contemporary Brazilian indigenous literature of Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Olivio Jekupé, Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Cristino Wapichana, Graça Graúna, Sulamy Katy, Tiaho Hakiy, Yaguarê Yamã, and many others,
The visual art of Denilson Baniva, Jaider Esbell, Gustavo Caboco, Daiara Tukano, Yacunã Tuxá, and so many others,
The Maracá Bookstore!
The shamans and grandmother told me this and I tell you all this knowledge today
so that you pass on to your children the stories of the land,
so that you know we are the land,
so that you know we are sons and daughters of Makunaima and the other gods.
Pari-xara-a-xará pawá-caxiri-pá piá’san-pantonkon-si’á!
Translated from Spanish to English by Madeline Emke